Do Editor
Orleans - SC - 30 de Novembro de 2008 A musicalidade brasileira avessa ao colonialismo estrangeiro
Orleans - SC - 30 de Novembro de 2008

A fundação deste projeto possui o intuito de divulgar, reviver e trazer a público a criação musical de Osvaldo Pfützenreuter, carinhosamente tratado como Vadico, como também realizar um resgate musical da região de Orleans- SC (cidade onde nascera), dando assim continuidade ao seu trabalho, que pretendia conservar a identidade musical de sua região e em âmbito nacional.
Vadico nasceu em 11 de maio 1913 e faleceu em Curitiba-PR em 12 de maio de 1996. Sua mãe Hermelina Minatti Pfützenreuter foi a incentivadora de seus sete filhos, tornando -se todos músicos, mesmo desprovidos de professores qualificados e distantes dos meios musicais mais prósperos. Naquele sul do estado catarinense, cultivou -se o hábito de que todos tinham de tocar e cantar em casa, o que ademais era costume em todo o Brasil. Visitas ilustres que vinham a cidade não ficavam sem ouvir os Irmãos Pfützenreuter.
Vadico tocou no cinema mudo, fazendo lirismo em serenatas noturnas, nas rádios e acompanhando os mais belos canarinhos que as cidades proviam. Vadico dava o toque de charme da sonoridade de seu violino fazendo brilhar lindas vozes em casamentos, serenatas e nos salões de baile da sociedade da época. Além de valsas para suas filhas, compôs hinos e sempre estava pronto para o que a cidade mais precisasse, poderia ser um hino religioso ou até uma marcha carnavalesca. Homem feliz em sua trajetória profissional como coletor federal de impostos - função que exerceu com muito empenho e zelo - foi várias vezes homenageado e sabia conciliar isto com seu mais próprio habitat: a música, sendo o violino sua maior paixão.
Os historiadores da música consideram que nós brasileiros não damos a mesma importância ao nosso choro que o argentino dá ao tango, o que não se torna regra na vida deste músico. Não se pode atribuir um único estilo ao seu repertório eclético, que continha inumeráveis choros, xotes, rancheiras, marchas, valsas e também tangos, contando-se os específicos hinos que sua cidade lhe exigia, e os dinâmicos "dobradinhos".
Na cidade havia muita música e política, que vinha principalmente pelo rádio, para a família com tendência getulista, juscelinista e brizolista. Seu filho Rui Oswaldo trouxe ao convívio da família sinfonias e concertos. Convincente, todos escutavam seus discos clássicos, abrindo novas perspectivas e conhecimentos. Ele projetava conscientemente um trajeto contemporâneo e novo aos costumes daquela época. A direção e os horizontes eram outros, rompeu-se com a ajuda da música a toda a sistemática comum de vida provinciana a que tínhamos de ter e viver. Neste ambiente as portas do lar se abriram naturalmente ao mundo, fornecendo as bases desta convivência notável que propiciaram a opção socialista do filho revolucionário, do qual Vadico tinha tanto orgulho e pesar de tê-lo tão precoce e tragicamente perdido, sendo assassinado pela ditadura militar.
Se o futebol fica atrás da música como identificação para o povo brasileiro, por que o choro praticamente inexiste no seu cotidiano atual, sendo que somos identificados mundialmente por este gênero imortal ? Temos ainda hoje uma estimada produção, restauradora e contemporânea que é praticamente desconhecida pela maioria de nossa população. Eleazar de Carvalho, grande maestro da Orquestra Municipal de São Paulo, declarou certa vez: “A música popular brasileira está perdendo sua característica nacional”. Portando, devemos repensar como anda nosso estado de identidade musical.
Vadico tinha uma forte paixão e estima pela sua vivência nas bandas em que tocou, dividindo sua habilidade musical e obtendo conhecimento com maestros de notável capacidade, conforme ele mesmo sempre frisava com austero orgulho. Apaixonado por serenatas, nas madrugadas tirava sons maravilhosos, de homem sentimental e apaixonado. Deixava a surpresa para a última casa à Dona Leoni, sua esposa incentivadora e de notáveis dotes, que sendo de Gravatal ganhou a coroa de primeira rainha de Orleans.
Aos amantes e estudiosos da boa música, esperamos que lhe sejam úteis e façam bom uso das obras deste humilde compositor, fazendo desta uma experiência de que músicos, apreciadores e críticos da arte e da música genuinamente brasileiras possam estimular em seguir o exemplo deste cidadão, que soube durante toda a sua vida manter um estilo próprio de tocar e compor mantendo como fim nossa peculiar e regional raiz, de estilos genuinamente originais e próprios, avesso à colonização internacional que mantém este país submetido à égide de tantas inculturas mantendo-nos na ignorância, sem identidade e no anonimato, como se não soubéssemos e não tivéssemos uma música tão rica.
Pretendo aperfeiçoar cada detalhe do conteúdo deste projeto, enriquecendo seu acervo e construindo a partir daqui uma futura e qualificada publicação, revivendo e conservando uma parte rica da história musical desta pequena cidade a partir da figura de Vadico. Nossa pátria amada no pendão da esperança se fortalecerá.

BEM VINDOS AO SITE DO VADICO DE ORLEANS!

Obrigado!
Orleans, 30 de Novembro de 2008.
Rogério Pfützenreuter e Irmãos.

A musicalidade brasileira avessa ao colonialismo estrangeiro

A musicalidade brasileira avessa ao colonialismo estrangeiro

As origens de nossa musica ainda deverão ser muito estudadas. Como surgiu, como se desenvolveu e, principalmente, por que perdeu espaço em seu próprio país são questões que deverão ser amplamente revistas e retomadas para seu maior convívio. Analisando nossos instrumentos musicais utilizados por diferentes gerações, percebemos a influência direta dos estilos praticados lá fora à troca dos nossos, como o cavaquinho pelo banjo, o pandeiro pela bateria, o violão pela guitarra e muitos outros que foram quase substituídos, e os instrumentos que permaneceram de algum modo em execução sofreram desgastada transformação de sua originalidade.

Durante as últimas décadas a música brasileira tem sido rebaixada à categoria de sub-música, sendo raras as produções que aparecem na vitrine nacional onde as poderosas televisões, seguidas pelas rádios e produções multinacionais, determinam pelo seu grande poder midiático o que se deve ver e ouvir. Não há qualquer controle sobre isto de quem deveria fazê-lo - o Ministério da Cultura - e este sistema é considerado despretensioso, age livre, e por incrível que pareça ainda tem cara e tom de “moderno e democrático”. A cultura estrangeira está tão arraigada em nossas vidas, que não percebemos o bombardeio ideológico que diariamente entra em nossas casas. O discernimento do certo ou errado confunde o julgamento: a auto-estima e a sanidade mental e moral do brasileiro ficam afetados, subvertendo-os e amordaçando seu senso crítico modificado.

É o negócio da música uma das melhores armas da “exploração” internacional, porque remete nossa auto-estima aos degraus mais baixos, e isto tudo sob o epíteto de moderno e com roupagem universal segue livremente seu envenenamento no país. A imposição da música de forma ditatorial, contida nesta falsa fachada de liberdade que nos é apresentada não inibe a atual produção e o valioso acervo da música brasileira de ontem e de hoje, sendo esta a mola propulsora da forma consciente de nossa resistência, até que atos do governo se constituam para se opor a esta “guerra branca” que possui bombas de efeito moral que atingem massivamente toda nossa cultura nacional.

Músicos brasileiros consagrados já fizeram seu papel. Cada um em sua época, artistas manifestaram em sã consciência patriótica a preocupação musical pela “invasão” estrangeira.

O compositor baiano Ary Barroso foi duramente criticado pela elite musical brasileira quando em época getulista fez a mundialmente famosa “Aquarela do Brasil”, e ao se juntar a movimentos de “exaltação à pátria”. No período de início dos avanços pelas transformações sociais e estruturais no Brasil, o governo nacionalista de Getúlio Vargas – considerado “ditador” e populista – arrastava multidões comprometendo artistas e intelectuais a se envolverem inevitavelmente no clamor das vitórias populares, que eram de conquistas sociais mais acentuadas em favor das classes mais pobres e que se tornaram importantes até os dias de hoje: Rádio Nacional – que concentrou a vanguarda musical em diferentes épocas – a Petrobrás, a obrigatoriedade da carteira de trabalho, ferrovias, e muitas estatizações. O que levaria um artista a criar uma música com tamanha brasilidade senão o momento revolucionário, anti-estrangeiro e anti-estadunidense da época ?

Barroso fez muitas contestações e nesse gancho do forte nacionalismo da época soube fazer auto-crítica, reconhecendo ele próprio sua adesão ao jazz e assumindo ser ele também vítima do que chamava de “joça estrangeira” e ainda que por influência também modificou seu dedilhado e forma de tocar piano que teria sofrido profundas mudanças.

Nesta época houve plenas condições para inclusive ocorrer o florescimento da legitimação de nossa verdadeira música, citando somente o exemplo de Villa Lobos que encontrou amplo terreno para desenvolver sua premissa musical, viajando pelo país, recriando e pesquisando temas regionais contidos no povo simples das vilas e bairros das cidades brasileiras.

Temos que manter o samba, que é a mais legitima expressão de nossa música popular, no lugar merecido como só o brasileiro sabe fazer. Nossos numerosos e variados estilos regionais de música representam este enorme país, e necessitam de urgente socorro e resgate.

Porém é o choro, sendo o mais “fino” do samba, consagrado por sua forte presença rítmica, uma vez que para isso teve-se que acrescentar a sétima corda ao violão, fazendo-o com mais requinte e erudição e como forma contrapontística. O choro tem ricas qualidades que emergiram de seu perfil popular, de berço humilde do sofrido povo das favelas e dos discriminados bairros urbanos. Foi nesse ambiente que se desenvolveu o ritmo que sustenta a melodia, deixando o que só possui unicamente neste gênero, a mágica e espirituosa combinação de sentimentos: tristeza e alegria ao mesmo tempo.

Aqui se faz este registro do anti- Jazz que foi no passado recente o que pode ser nos dias atuais o anti-rock, não para condenar o gênero musical, mas sim como uma necessidade absoluta de termos um noção realista de que os níveis de sobreposição estrangeira não são apenas econômicos, mas também musicais e culturais. Tudo vira mercado e negócio, e principalmente vem agregado com conteúdos de dominação ideológica de um império mundial e internacional. Temos de ter muito claro o conteúdo desta banalização, desta realidade musical desigual, desumana e de completa irracionalidade.

Este editor em sua juventude já foi “cabeça feita” do rock. Hoje os filhos ainda muito jovens têm seus estilos: dançam street dance e tocam em sofisticadas guitarras e acessórios eletrônicos. Estão na música se encaminhando e aprendendo. Porém existe uma gama de músicos muito jovens em nosso Brasil que se converteram ao campo popular e erudito. Os queremos por perto e cientes de que não somos os donos da verdade procuramos criar um diálogo franco sobre esta experiência, e oferecemos-lhes também espaço nesta página porque temos pela música horizontes parecidos. De um modo ou de outro este projeto busca contextualizar nas diferentes realidades um entendimento consciente destas manifestações. Ele deve funcionar como uma tribuna de debates e troca de experiências, sendo aqui a rebeldia vista como simples rotina de trabalho. Deste modo, a polêmica acrescenta rumos e conteúdos para desenvolver , direcionando mais cedo talentosas e saudáveis gerações.

Felicitamos a banda musical “Amor à Pátria”, que heroicamente sobreviveu desde sua fundação em 1918 mantendo e divulgando nossa música brasileira. E saudamos com este projeto a quem venha buscar historicamente a verdadeira situação de nossa música, registrando desta maneira, o que de outra forma seria fantasiosa ou leviana. Nossa posição na musicalidade brasileira é avessa ao colonialismo estrangeiro, porque temos a compreensão de que nossa música nunca foi inferior a qualquer outra , e deve ocupar o espaço que lhe cabe no país a que pertence.

Agradecemos aos presentes: a Sra. Suzana Felipp, diretora de Cultura que está aqui representando o Prefeito Municipal, ao maestro e compositor vitalício da Banda “O Jaguarunense” João Gustavo Garcia, o qual gentilmente presenteou nosso projeto com um CD contendo registros de alguns de seus valiosos dobrados regionais com a Banda “Lira Tubaronense” e ao maestro da Banda “Amor à Pátria” Marcos Valicura. Agradecemos também a presença de Maria Marsuleide Porto, da Rádio Comunitária Sambaqui, ao secretário da Banda “Amor à Pátria” Sandro Duarte, aos músicos da família Porto descendentes de São Joaquim, ao saxofonista Adílio Boaventura Luiz, que organizou este evento, e a todos estes maravilhosos músicos aqui presentes. Almejamos que o futuro que vimos hoje em seus olhos ávidos e brilhantes seja promissor e que com a responsabilidade cidadã estes se igualem às vibrantes cores de nossa bandeira brasileira. Jaguaruna (SC), 25 de Janeiro de 2009.

Rogério Pfützenreuter

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